terça-feira, 7 de dezembro de 2010

“Vou-me embora pra Passárgada”?

 

Ou “Vou-me embora pra Pasárgada”, ouvindo o poeta declamar...

 

 

Publicado no Afro-Ibero Pindorama- multiply 2006

 

Autores: Hastati foi para Zambukaki ;

Josiani Muniz;

Hugo Ferreira.

 

 

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Manuel Bandeira é um dos poetas modernos mais queridos e até hoje inspira novos escritores. Seu estilo simples e direto me fez ver a poesia “Vou embora pra Pasárgada” com outros olhos e ouvidos. Não imaginava a quantidade de informações que iria descobrir. A primeira delas foi o da grafia “passárgada” ou “pasárgada”? E a pronúncia?

Sempre ouvi as pessoas dizerem “passágarda”, há uma série de coisas que levam esse nome: Haras Passárgada, Pousadas, Hotéis, Ruas, Residencial, até um disco de Vinícius de Moraes onde se grafa e se canta Passárgada...

Eu vivenciava uma utópica civilização, fantástica terra tropical, linda cheia, de vida, cor e pássaros....

Na pesquisa descobri em uma das versões que o nome era Pasárgada, e que Manuel Bandeira não tinha inventado essa terra mítica.

Na sua adolescência nos seus estudos de grego, ao traduzir a Ciropedia, Bandeira ficou encantado com nome da cidade fundada por Ciro, o Antigo, onde o rei passava férias, nas montanhas do sul da Pérsia.

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Mas qual a pronúncia certa?

Há tantas “Passárgadas”, terras míticas utópicas, para fugas e escapes, ou “Pasárgada”.

A própria voz do poeta, ecoou declamando seu poema.

A voz embargada frisando cada ponto, entoando a musicalidade da libertação da sua Pasárgada, surgiu Manuel Bandeira... E o “S” com o som de “Z” (Pazárgada).

Uma gravação com os chiados de disco de vinil, trouxe o poeta a esclarecer a sua obra.

A riqueza do poema, Bandeira transmite de uma forma, muito clara, quando as coisas não estão bem, há problemas, há dificuldades, só resta nos dizer: “Vou-me embora pra Pasárgada, lá sou amigo do rei...”.

Bandeira teve sérios problemas de saúde, tuberculose, e desde a adolescência, ele nos conta, passou anos vendo e vivendo em Pasárgada.

Vinte anos depois desse encontro com a Pasárgada de Ciro ele tentou escrever o poema, mas só saiu o título forte: “Vou-me embora pra Pasárgada”. Anos mais tarde, em situação de dificuldades, surgiu novamente a idéia “Vou-me embora pra Pasárgada”, e o poema foi escrito de um jorro só. Bandeira conta, ele não construiu o poema, o poema se construiu dentro dele.

Usando todas as dificuldades que a doença lhe causava, em Pasárgada ele poderia fazer tudo àquilo que a doença lhe impedia, fazer ginástica, andar de bicicleta, tomar banho de mar (ah, com que prazer o poeta declama!).

O poema se desenvolve a partir do contraste entre dois espaços: e aqui. Aqui é o lugar onde não há satisfação, nem felicidade. é o lugar idealizado, onde existe tudo: bicicleta, burro brabo, pau-de-sebo, mar, prostitutas, telefone. Lá "é outra civilização". As coisas nomeadas são todas materiais.

Por fim, o poema é todo escrito na primeira pessoa do singular: o poeta fala dele mesmo, de sua vontade de mudar, de ir em busca da aventura, de ir para Pasárgada, para , deixando tudo que está aqui para trás.

O emprego dos tempos verbais ajuda a evidenciar essa oposição: em um primeiro momento, predomina o presente - vou, sou, tenho; depois ocorre o futuro do presente, para descrever a fantasia que o poeta faz de Pasárgada, mostrando a certeza dele em relação ao lugar - farei, andarei, montarei, subirei, tomarei.

O poema surge como a esperança para cada brasileiro. Há crianças que não andam de bicicleta porque trabalham. As prostitutas que são discriminadas perante a sociedade. A busca pela felicidade em algum lugar no imaginário, mas que acaba sendo real devido à força do pensamento. A valorização da leitura na infância como estímulo. Um lugar que tem tudo para todos. Até no fim do poema mesmo com vontade de se matar ele termina com a idéia-núcleo: “Vou-me embora pra Pasárgada”. A poesia pode ser citada como o lugar ideal para se viver diante das dificuldades que vivenciamos.

Manuel Bandeira é um exemplo de argumento de autoridade pela simplicidade do seu vocabulário. Não é preciso escrever difícil para ser considerado um grande poeta. Dentre as suas contribuições, algumas se destacam: a língua coloquial, a irreverência, a liberdade criadora e o verso livre. Mas o que mais fascina é a capacidade de extrair algo banal do cotidiano e transformar em uma reflexão social e filosófica.

inspirado em Julica

 

 

Vou-me Embora pra Pasárgada

Manuel Bandeira

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.


Texto extraído do livro "
Bandeira a Vida Inteira", Editora Alumbramento – Rio de Janeiro, 1986, pág. 90

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