No Rio de Janeiro na década de 1860 o olhar do fotógrafo José Christiano de Freitas Henrique Júnior, registra momentos significativos da vida da cidade, na época capital do Brasil. Com uma população aproximada de quase 270 mil habitantes, onde 110 mil eram escravos. A maior concentração urbana de trabalhadores escravos desde o fim do império romano.
A enorme e variada composição de tipos humanos mostra a quantidade de grupos étnicos formadores da nossa nação.
O fotógrafo Christiano Júnior, como assina suas fotos, traz os cativos ou libertos para seu estúdio e recria suas atividades profissionais. Mostrando carregadores e os chamados “negros de ganhos” homens e mulheres trabalhando como vendedores nas ruas, e o lucro ao final do dia é entregue ao proprietário como paga do “ganho”. Produtos como água, cestos, flores, legumes, aves, livros, sapatos, facas, moringas, cristais, porcelanas, doces, roscas e bolos transportados à cabeça em latas ou caixas.
Inicialmente em Maceió, muda-se para o Rio de Janeiro e associa-se com Fernando Antônio de Miranda no estúdio “Photographia do Commercio” depois entre 1866 e 1875, fica sócio de Bernardo José Pacheco na firma “Christiano Jr.& Pacheco”, onde produz seus cartões com pessoas de origem africanas, escravas ou libertas encenando suas atividades profissionais no estúdio.
Quem seria os consumidores das fotos-cartões? O anúncio publicado no “Almanaque Laemmert”, de 1866 são apresentados os serviços do fotógrafo: “Variada colecção de costumes e typos de pretos, cousa muito própria para quem se retira para Europa". São mostrados os “tipos de negros” classificados pelas atividades exercidas. Com legendas "Tipos africanos", "Escravo cesteiro", "Escravo vendedor de cadeiras", etc. Não existe o individuo, são sempre retratadas de pé, de frente e de perfil mostrando características físicas, roupas, e instrumentos dos seus “ganhos” e ofícios.
Os instrumentos de trabalho são dos senhores, apesar da dignidade dos retratados, há uma rigidez forçada, não encarando a objetiva. São cartões postais mostrando o lado exótico para uma visão eurocêntrica. Um cativo subordinado e disciplinado. As fotos não trazem as tensões do forte movimento abolicionista da época, onde fugas e revoltas traziam os ideais de liberdade.
Nesse sentido, concordo com Sandra Koutsoukos, quando afirma que as fotos dos negros escravos são possuidoras da preocupação de se montar a cena da mesma forma que se faz com as fotografias tiradas dos homens livres. A diferença está no fato de que nas imagens retratando escravos, "[...] os signos que distinguiriam sua classe social (...)" são outros. Além disso, completa a autora, nessas fotografias podemos encontrar indícios da participação "[...] dos escravos na construção daquele que poderia ser o seu retrato, através de sua indumentária típica (muitos se apresentavam com suas próprias roupas; um acordo com o fotógrafo, com certeza), seus instrumentos de trabalho, suas expressões, seus olhares, suas poses, seus penteados e suas cicatrizes étnicas".
Além das cenas retratadas, está a apropriação do ofício, do empreendedorismo do africano ou descendente de conseguir com seu trabalho um meio para pagar a sua liberdade. Acumular bens com seu esforço e empenho.
Um olhar diferenciado, da visão tradicional do negro preso na senzala. Sem capacidade, sem empenho, preso à sua própria prisão mental de “ser escravo”. Surgem homens e mulheres, livres que foram escravizados lutando por sua dignidade e liberdade.
Fontes:
Fotos Coleção Christiano Jr. IPHAN
Enciclopédia Itaú Cultural
Sandra Sofia Machado KOUTSOUKOS. No estúdio do fotógrafo: um estudo da (auto) representação de negros livres e escravos no Brasil da segunda metade do século XIX. Campinas:
Jacob GORENDER. In: “A face escrava da corte brasileira”. In: Paulo César de AZEVEDO e Maurício LISSOVSKY. Escravos brasileiros do século XIX na fotografia de Christiano Jr. (1864-1866)
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