segunda-feira, 29 de junho de 2015

Cartas para minha irmã angolana

Histórias que você conta são significativas Judith Luacute. Tenho um momento que ao relembrar as lutas, numa reunião as emoções embargavam minha fala e marejavam meus olhos. Josi companheira e esposa registrou em vídeo minha fala emocionada
Momentos não escritos em livros, mas infelizmente vivenciados por nós em nossas vidas, e esses nossos depoimentos deveriam ser registrados para não serem esquecidos. Por serem nos magoarem ferem nossos sentimentos.
A Universidade de São Paulo, surgiu de uma derrota militar do estado de São Paulo perante a Ditadura Vargas. A Revolução de 1932 teve em suas fileiras inúmeros negros e índios, não só em formados de voluntários, mas nos quadros do Exército Brasileiro que lutaram contra a Ditadura.
O negro brasileiro escravizado, buscava uma forma recuperar sua liberdade e restaurar sua cidadania. O Exército desde a Guerra do Paraguai (1864/1870) contou com uma maioria de soldados negros. Participar do Exército era uma forma dos negros e pardos livres se inserirem na sociedade brasileira. A Escola Militar de Resende RJ formou oficiais militares vindos das camadas populares (década de 20 e meados de 30). O subcomandante militar de São Paulo era o coronel Palimércio de Resende negro.

 Coronel Palimercio Coronel Palimércio de Resende subcomandante da Revolução de 1932 em São Paulo

Meu pai tenente Ferreira foi dos tenentes revolucionários que lutaram contra a Ditadura, teve sua perna metralhada e só não ocorreu a amputação porque fugiu do hospital no dia marcado. Sobreviveu e nasci em 1946.

Tenente Ferreira e companheiros de farda (185x260) (276x389)

Tenente Ferreira (José Ferreira da Silva meu pai) ao centro assinalado com companheiros de farda “tenentistas” .

Perdida a Revolução de 32 contra a Ditadura, a elite criou um projeto de formar lideranças da burguesia paulista, surgia aí a USP a Universidade de São Paulo.
Se na Revolução de 1932 havia espaço para as classes populares (negros, índios e pobres) lutarem, não havia espaço na Universidade criada. Daí a surpresa do segurança negro em barrar sua entrada. Quem lutou e derramou o sangue por São Paulo é barrado em entrar na USP pela profunda desigualdade social que existe no Brasil.
Posso dizer que a situação piorou desde a sua vinda, tive contato com jovens estudantes angolanos, amigos de Zulmira Cardoso a jovem morta em 2012 por racistas brasileiros no Brás, e um deles me dizia: “-Conheci o que era o racismo brasileiro, quando desci no Aeroporto. ”

Zulmira bata
Há uns seis meses estudantes angolanos da USP, foram espancados pela polícia, quando um deles teve seu celular roubado e com ajuda dos amigos tentou recuperar dos ladrões. Na briga ocorrida chamaram a polícia, que chegando bateu em quem era mais escuro (no caso os estudantes angolanos).
Esses fatos não são locais, é uma questão mundial. Não só dos africanos da Diáspora causada pela escravização, mas hoje pela imigração. A África continua sendo espoliada e explorada, intervenções militares dos países ditos civilizados destruíram estados nacionais instalando o caos forçando a saída desses países. Se parte da Europa e o Estados Unidos são ricos é em função de uma política imperialista e exploradora de países ditos subdesenvolvidos.
Lutamos, tentamos nos organizar, coloquei hoje fotos que registrei uma manifestação de nossos companheiros em frente ao Palácio do Planalto em 2012. O caminho é longo...
Que suas memórias e as nossas formem uma união efetiva entre nossos povos em lados diferentes do Atlântico, mas irmãos em luta e coração. Grande abraço amiga, companheira de luta, minha irmã.

Hugo Ferreira Zambukaki

Cartas para minha irmã angolana

Histórias que você conta são significativas Judith Luacute. Tenho um momento que ao relembrar as lutas, numa reunião as emoções embargavam minha fala e marejavam meus olhos. Josi companheira e esposa registrou em vídeo minha fala emocionada
Momentos não escritos em livros, mas infelizmente vivenciados nós em nossas vidas, e esses nossos depoimentos deveriam ser registrados para não serem esquecidos. Por serem nos magoarem ferem nossos sentimentos.
A Universidade de São Paulo, surgiu de uma derrota militar do estado de São Paulo perante a Ditadura Vargas. A Revolução de 1932 teve em suas fileiras inúmeros negros e índios, não só em formados de voluntários, mas nos quadros do Exército Brasileiro que lutaram contra a Ditadura.
O negro brasileiro escravizado, buscava uma forma recuperar sua liberdade e restaurar sua cidadania. O Exército desde a Guerra do Paraguai (1864/1870) contou com uma maioria de soldados negros. Participar do Exército era uma forma dos negros e pardos livres se inserirem na sociedade brasileira. A Escola Militar de Resende RJ formou oficiais militares vindos das camadas populares (década de 20 e meados de 30). O subcomandante militar de São Paulo era o coronel Palimércio de Resende negro.

 Coronel Palimercio Coronel Palimércio de Resende subcomandante da Revolução de 1932 em São Paulo

Meu pai tenente Ferreira foi dos tenentes revolucionários que lutaram contra a Ditadura, teve sua perna metralhada e só não ocorreu a amputação porque fugiu do hospital no dia marcado. Sobreviveu e nasci em 1946.

Tenente Ferreira e companheiros de farda (185x260) (276x389)

Tenente Ferreira (José Ferreira da Silva meu pai) ao centro assinalado com companheiros de farda “tenentistas” .

Perdida a Revolução de 32 contra a Ditadura, a elite criou um projeto de formar lideranças da burguesia paulista, surgia aí a USP a Universidade de São Paulo.
Se na Revolução de 1932 havia espaço para as classes populares (negros, índios e pobres) lutarem, não havia espaço na Universidade criada. Daí a surpresa do segurança negro em barrar sua entrada. Quem lutou e derramou o sangue por São Paulo é barrado em entrar na USP pela profunda desigualdade social que existe no Brasil.
Posso dizer que a situação piorou desde a sua vinda, tive contato com jovens estudantes angolanos, amigos de Zulmira Cardoso a jovem morta em 2012 por racistas brasileiros no Brás, e um deles me dizia: “-Conheci o que era o racismo brasileiro, quando desci no Aeroporto. ”

Zulmira bata
Há uns seis meses estudantes angolanos da USP, foram espancados pela polícia, quando um deles teve seu celular roubado e com ajuda dos amigos tentou recuperar dos ladrões. Na briga ocorrida chamaram a polícia, que chegando bateu em quem era mais escuro (no caso os estudantes angolanos).
Esses fatos não são locais, é uma questão mundial. Não só dos africanos da Diáspora causada pela escravização, mas hoje pela imigração. A África continua sendo espoliada e explorada, intervenções militares dos países ditos civilizados destruíram estados nacionais instalando o caos forçando a saída desses países. Se parte da Europa e o Estados Unidos são ricos é em função de uma política imperialista e exploradora de países ditos subdesenvolvidos.
Lutamos, tentamos nos organizar, coloquei hoje fotos que registrei uma manifestação de nossos companheiros em frente ao Palácio do Planalto em 2012. O caminho é longo...
Que suas memórias e as nossas formem uma união efetiva entre nossos povos em lados diferentes do Atlântico, mas irmãos em luta e coração. Grande abraço amiga, companheira de luta, minha irmã.

Hugo Ferreira Zambukaki

domingo, 21 de junho de 2015

Procedimento Padrão

 

Estava com pressa

Só tenho uma hora de almoço

Esquentei a marmita

Fui até carregar o bilhete único na lotérica

E entrei no supermercado

estava vazio

Fui até a seção de hortifrúti

Um homem atrás de mim

Escolhi as bananas, peguei as batatas

E podia sentir que ele me olhava

Fui para o outro corredor

Pegar açúcar

ouvi passos

Caminhei mais depressa

os passos apertaram

Fui pegar o pão

Sentia os olhos do mal

Fiquei de saco cheio

Virei e soltei:

“Qual é o problema?

Vai ficar me perseguindo?

Por todo o lugar?”

O segurança com cara de tacho:

“-Desculpas, senhora.

Procedimento padrão.

Fazendo a ronda. ”

Eu já muito irritada soltei:

“Contra preta?

Só tem eu os funcionários

que somos pretos.

Os brancos fazendo compras

não são importunados.

Mais respeito! ”

E mais uma

fui reclamar com o gerente...

 

Jô Muniz

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

O dia em que me vi

 

Nunca disse uma palavra de amor

enquanto odiei o meu corpo

como dar graças ao Criador

odiando sua imagem e semelhança

dia queme vi

Como buscar a mão de um irmão

se o negro de minha alma e cor

brilhavam luzidio na sua pele

como espelho de minha negra imagem

 

Anjos e deuses eram brancos

belos, lindos e cultos

eu ser descaído mendigava

um olhar, um afago, um abraço

 

A mão que me tocasse

por mais branca que fosse

suja , imunda, desprezível se tornava

pois eu mesmo me odiava

 

Um dia rasgando meu corpo e alma

de tudo que eu sempre ouvira

surgiu o homem negro livre

da prisão onde existira

O reflexo, criado por vozes opressoras

em mil partes se quebrou

negro, burro, imundo, sem valor

ficaram cacos quebrados

 

O homem negro de punho levantado

olhou demoradamente seu irmão

não de pele mas de fé

e pela primeira vez, amou

 

Livro “ Luta pela Igualdade”

Hugo Ferreira Zambukaki

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Durante a Ditadura Militar quando éramos oposição

 

“- Sim, estive lá eu lutei!”
(Convocatória para o lançamento de fundação da FRENAPO 16/6/1980)
Hoje 9 de janeiro de 2015 completa 62 anos o irmão e camarada Benedito Cintra, vindo de movimentos de base da periferia nos anos de 1973 e 74 no Movimento Contra a Carestia. Elegeu-se vereador em 1976 com 23 anos pelo MDB partido de oposição à Ditadura. Na época o PC do B era um partido clandestino. Cintra participava do diretório do MDB, da Freguesia do Ó, eu no Diretório de Santa Efigênia, eu não participava de “partidos organizados” (como se falava na época) era da chamada esquerda independente. A eleição controlada pela Ditadura os prefeitos eram nomeados pelo Governador , dos candidatos à vereador apareciam pequenas fotos e um mínimo currículo. Votei na foto 3/4 do Cintra, sem conhecê-lo pessoalmente, mas por sua história de luta e militância.

Conselho Posse 2

Posse do Conselho de Desenvolvimento e Participação da  Comunidade Negra de São Paulo no governo Franco Montoro

Quando em 1980 Paulo Maluf era o então governador eleito indiretamente iniciou a proposta da mudança da Capital de São Paulo para o interior do estado, os representantes (deputados e vereadores de SP) da então chamada “comunidade negros” eleitos pelo MDB que fora extinto em 1979 com o fim do bipartidarismo, apoiaram Maluf e entraram para o PDS sigla que continuava a trajetória da ARENA, nós antigos militantes do MDB tentando se organizar nos vários partidos de oposição que se delineavam, formamos uma Frente pluripartidária de oposição dos militantes negros contra os vereadores e deputados adesistas de Paulo Maluf.
O único companheiro que tinha mandato na cidade de São Paulo em 1980 era o camarada Benedito Cintra, as reuniões que se iniciaram num escritório de advocacia da Rua Líbero Badaró 92, transformou-se num quilombo de resistência no Gabinete do então vereador Benedito Cintra do PMDB.
Com inúmeros companheiros, como o ex-deputado e prefeito cassado de Santos Esmeraldo Tarquinio, Oscarlino Marçal, Abdias do Nascimento vindo do Rio de Janeiro, professor Eduardo de Oliveira o vereador João Bosco da Silva de São José dos Campos, e tantos companheiros  que não consigo citar todos de memória, mas alguns não posso esquecer como Ronaldo Simões, Mário Assunção, Nivaldo Santana,  professor Hélio Santos, Milton Santos, Alberto Alves da Silva Filho (Betinho da Nenê) Antonio Carlos Arruda , os irmãos Celso e Wilson Pudente, Valdir e Jurandir Nogueira criamos a FRENAPO (Frente Negra para Ação Política de Oposição).
Viriamos a apoiar a candidatura de Franco Montoro em 1982 à Governador na primeira eleição direta, mas isso já é outra história…
Uma simples poesia chamava para a convocação no Plenário da Assembléia Legislativa.

FRENAPO

“Um dia quero cantar teu nome

com a força de outros nomes

simbólicos peso na minha vida

com a ação de luta e respeito

forjados nas bigornas diárias da vida

e quando perguntarem: -Conhece?

Apenas simplesmente direi:

- Sim, estive lá eu lutei!”

Hugo Ferreira 16/6/1980

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Nomes e tradições continuadas.

Queria apenas estar feliz, mas sinto-me melancólico. Desses sentimentos em que se misturam alegria e pesar.


Recebi ontem a notícia da morte de Alberto Alves da Silva Filho, o Betinho filho do seu Nenê da Vila Matilde. Conheci Betinho nos momentos em que se misturaram a luta contra a Ditadura e a afirmação pelo resgate da cidadania. Nas articulações da candidatura de Franco Montoro, então candidato à governador de São Paulo, concorrendo com Paulo Maluf.




Vínhamos do Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial  transformado em Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial por sugestão de Abdias do Nascimento numa reunião num casarão na Rua da Consolação (na Associação Cristã de Beneficência Brasileira a ACBB do presidente Seu Sebastião) de 1978, que fez o ato histórico na frente do Teatro Municipal contra a violência policial que havia morto Robson Silveira da Luz e contra a proibição dos atletas negros do Clube Tietê entrarem na piscina.
Sentávamos com as lideranças políticas que apoiavam a candidatura de Montoro, e discutíamos a questão do resgate da cidadania. Em 1980 os partidos organizado e legais eram a PDS (antiga ARENA) e o PMDB (antigo MDB) onde o PCB, PC do B e o MR8 permaneciam. Brizola e os retornados políticos tentavam reorganizar o PTB, e tendo perdido a legenda numa manobra política dos militares, criava o PDT tentando atrair Lula então apenas líder sindical no ABC.


Seu Nenê deve estar feliz com o Betinho que partiu apressado antes da hora, mas deixou um trabalho continuando a obra de seu pai, seus três filhos e um neto sempre se orgulharão de suas memórias Alberto Alves da Silva (Seu Nenê) e Alberto Alves da Silva Filho (Betinho) continuidade na luta.
Fundamental essa questão de nomes, ou melhor essas tradições de resistências de luta passadas pela família. Conosco em nos anos oitenta estava o prefeito cassado de Santos Esmeraldo Tarquínio Filho, e seu filho Esmeraldo Tarquínio Neto (chamado então de Esmeraldinho). Gente que respeita tradição e cria sua própria cultura resgatando nossa cidadania perdida quando nossos ancestrais foram escravizados.



Nesses anos começamos a colocar nomes afro em nossos filhos, encontro hoje jovens decididos, cheios de atitudes ocupando espaços na sociedade. Resgatando espaços e cobrando quando questiono a origem dos seus nomes, vejo nossa história de luta e militância, são nossos filhos fazendo seu caminho na vida. Muita alegria tive quando encontrei um rapaz com nome africano, num curso de edição de vídeo e descubro que é filho do amigo Oswaldo Faustino, sinto aos quase setenta anos realizado de estar presente com esses jovens.
A mesma alegria senti quando conheci uma jovem linda e poderosa, falando do orgulho da militância de seus pais, e descubro que é a filha do Ivair  Augusto Alves dos Santos, talvez a primeira filha daqueles militantes que se reuniam no CECAN Centro de Arte Negra no Bexiga.
Nomes e tradições continuadas.

Gostaria de apenas estar feliz e convidar para a celebração do lançamento do Livro Transversos do poeta Kwame Yonatan também filho do Ivair, na Casa das Rosas agora no dia 23. Mas a partida do Betinho assim de repente, me deixou pensando no significado dessa luta ancestral.



segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Interações

Há tempos que questiono a melhor forma de trocar experiências, ideias na internet.

Textos sem fotos são lidos? Fotos sem textos, sem maiores explicações dão um contexto?

Conversas longas, em posts abertos ou in box funcionam? Vejo conversas em que pessoas entram, repetem o que já foi dito, ou falando claro não entendem nada da conversa, e inventam outra realidade.

Vídeos contextualizam o momento? Ou é necessária uma edição, filtrando os melhores momentos, legendas?

Aí você pensa, se for vídeo necessito de uma câmera razoável, um bom computador com um programa de edição pelo menos semiprofissional. Se você souber editar, aí começa a pensar que deveria ter uma equipe, dando condições de captação de som, luz. E claro não dá para filmar e editar tem de ser uma equipe. E quem banca? Não o trabalho, mas o equipamento, os custos de produção, (internet, local, luz etc).

Venho de uma época que vivíamos uma ditadura militar, qualquer registro era “suspeito” podia ser um informante. Hoje sinto o mesmo nas manifestações ou reuniões, pode ser um policial disfarçado (o tal chamado P2), excesso de zelo? A realidade é que temos poucos registros da época da Ditadura. Quem foi procurar nos arquivos da repressão dizem que está cheio de fotos e vídeos.

Talvez seja melhor, apenas escrever, mas quem leu esse texto até o fim e vai interagir?