sexta-feira, 9 de julho de 2010

“Epopéia Paulista”

Há poucos dias, uma surpresa, encontrei uma moça recém vinda de Montes Claros, norte de Minas. Sempre me emociona porque meu pai Tenente Ferreira, é de uma cidade na região, Riacho dos Machados, região de quilombos. Em 1958, quando meu pai faleceu em São Vicente SP, de causas naturais (vocês vão entender o porquê coloco dessa forma), ele tinha a intenção de voltar a Riacho dos Machados.
Havia saído de casa com 13 anos, e nunca mais retornara. Nem havia tido mais contatos com os parentes. Hoje em 2010, é meio difícil entender essas distância e afastamentos. Poucas estradas, telefone era um luxo.
Recordo que por 1952 e 1958, telefonar era uma aventura. Não havia telefones em casa, os telefonemas eram feitos nas centrais telefônicas. Em São Vicente, na época de temporada, fazia-se fila de dar volta em quarteirão, lembro-me que para fazer um telefonema para São Paulo, demoramos mais de oito horas. Imagine as estradas, na época a via Anchieta estava sendo ampliada, e já o percurso entre São Paulo e a baixada de Santos, era uma aventura.

Imagine enfrentar 1000 km, distância entre São Paulo e Montes Claros, e de Montes Claros até Riacho dos Machados, é de aproximadamente 160kms. Era a intenção do meu pai, voltar a cidade natal. E como num planejamento estratégico militar, ele com mapas, riscava, anotava e conferia. Eu garoto com mais ou menos 11 anos, perguntava ansioso: Pai quando vamos?
Ele respondia meio desapontado, é muito longe, só de avião e não há avião direto. É muito caro, mas aí voltava animado para seus cálculos e planos.
Um dia voltando do trabalho, era militar reformado, na época tinha uma imobiliária em frente do Edifício Gaudio na praia do Gonzaguinha, caiu na rua e morreu.
Foi bem em frente do Hospital Municipal. Socorreram imediatamente, mas como se dizia na época: “morreu como um passarinho”.
Nunca tive condições de retornar a Riacho dos Machados.
Edi este é o nome da companheira de Montes Claros, um dia fez no escritório do Chinelo, sindicalista de Araçatuba, uma comida para os companheiros. Apressado conversando, fui me deliciando, sem saber muito ou me importar com o que estava comendo. De repente parei um gosto conhecido, me fez atentar.
Era quiabo com abóbora, comida de infância, comida dessas que fazem bem para a alma.
Porque essas memórias no dia de hoje? Feriado de 9 de julho de 2010, há 68 anos em 1932, ocorria a Revolução Constitucionalista em São Paulo.


clip_image002Meu pai socialista militar do Exército participou do Movimento Tenentista, nas revoluções de 1920, 1924, e em 1925 participou da coluna Coluna Miguel Costa-Prestes, com a tropa que saiu de São Paulo, para juntar as tropas vindas do Rio Grande do Sul. Pregando reformas política e sociais, denunciavam a miséria da população. É considerado a atividade guerrilheira mais intensa da história.
Participou da Revoulução de 1930, junto com o movimento tenentista. Em 1932 meu pai o Tenente Ferreira, com outros camaradas de arma, contra os desmandos e autoritarismo, juntou-se a Revolução Constitucionalista, que hoje é comemorada, mas esquecidos seus ideiais e projetos.

Nessa revolução meu pai por pouco escapou de  se tornar um héroi.
Sua perna esquerda, quase foi estraçalhada por metralhadora, na chamada batalha do Tunel da Mantiqueira (ou tunel de Cruzeiro) no Vale do Paraíba, os ex-combatentes colocam como o local mais sangrento da Revolução de 32.


clip_image004Tunel da Mantiqueira, 1932.
http://peregrinacultural.wordpress.com/2008/10/04/metralharam-o-aviao-da-ditadura-revolucao-de-1932/

No hospital, tentando se recuperar, numa noite a enfermeira disse chorando: “- Tenente Ferreira, pela manhã os médicos vão corta sua perna. É bem capaz que o senhor morra.”
Meu pai no meio da noite fugiu do hospital. Voltou para casa, havia nascido minha irmã Cida, e ele não havia visto. Pensou em viver.
Não morreu, não se tornou héroi!


Sua perna sarou, quase não se notava no andar, mas quando de calção a enorme cicatriz,na coxa quase sem carne, mostrava de que fibra são feitos os homens.
Um risco de baioneta no braço, uma falange no dedo faltando (“-ficou no carregador automático da metralhadora” contava). Uma cicatriz redonda no meio do peito, quase uma medalha, sinal de uma bala não retirada perto do coração.
Um sobrevivente que morreu de morte natural, “como um passarinho”...
Lembro muito bem de meu cantando, uma embolada, que depois vim saber que era de Manezinho Araújo, hino popular na década de 30:


“Pra onde vai, valente?
Vou pra linha de frente,
Tava na feira
C'a pistola e um cravinote
O muleque deu um pinote
Me chamou mode brigá.
Pego no meu punhá
Enfio a faca, o sangue pula
Moleque você não bula
Com Mané do Arraiá.
Veio um sordado
C'um boné arrevirado
Com dois oio abuticado
Que só cachorro do má.
Botou-me a mão
Home, me disse, você tá preso
E eu fiquei c'um braço teso
Na cara lhe quis passá.
Pra vadiá
Eu sou caboco bom na briga
Mas só gosto da intriga
Quando encontro especiá.”
http://www.youtube.com/watch?v=TiiK998JVTY
Músicas trazem emoções contidas, de épocas antigas.




A companheira Silvana, se emocionou ao ouvir “Prá onde vai Valente”, música que cantava na sua infância. Com vitalidade, milita e agita ela é de 1938.

Nunca soube sua idade correta, não tinha certidão de nascimento, mas uma declaração de idade, que anunciava como nascido em 1901, minha mãe dona Jadyr, comentava: “Ah! Esse Ferreira, tirou uns vintes anos da certidão.” O velho Tenente Ferreira sorria...
Não se tornou herói morto, vivo gerou mais filhos, uma filha e eu que sou a raspa do tacho, nascido em 1946.
Aos tantos heróis anonimos dessa Revolução d e 1932, mortos e sobreviventes do conflito, nossa homenagem.

Ao meu pai Tenente José Ferreira da Silva, forja do meu cárater e vida. A homenagem do seu filho.

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Cartaz da Convocação



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Escadaria da Catedral da Sé


O povo acorria às ruas abraçando e beijando os bravos soldados paulistas clip_image009
que partiam para lutar pela Constituição

 

 

 

 

 

 

 

Mulheres, índios e negros participaram da Revolução de 1932





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A colaboração da mulher paulista na campanha foi inestimável. Elas honraram a
tradição



Os voluntários se apresentaram imediatamente. Todos queriam combater pela clip_image013causa da legalidade. Pela causa de São Paulo e do Brasil.
Na foto, um contingente de voluntários da revolução de 32, constituído por índios.
Eles demonstraram excepcional fibra em todos os combates





 






clip_image015Ao som de dobrados marciais, as tropas revolucionárias desfilaram pelas ruas da capital paulista, debaixo de estrondosa manifestação
 
 

 
 



A "legião negra", constituída por elementos de cor, revolucionários clip_image017
 





Fotos e textos
http://www.novomilenio.inf.br/festas/1932sp04.htm






 
 
clip_image019 Chefe do Estado Maior o coronel negro do exercito Palimercio de Rezende
No exercito no século passado, era uma forma do negro, se afirmar como cidadão pleno.

O Exército brasileiro contou com apenas cinco generais negros ao longo de 358 anos de história, apesar da grande participação deles no contingente total. A informação faz parte de uma pesquisa do jornalista Sionei Ricardo Leão, cujos dados integram o documentário "Kamba Racê" sobre o papel dos negros na Guerra do Paraguai”
http://www2.camara.gov.br/agencia/noticias/95653.html




O Tenente José Ferreira da Silva, entrou analfabeto no Exército, estudou e formou-se oficial na Escola Militar do Realengo, na ocasião de sua morte estava reivindicando a promoção de patente para o posto de Coronel. Idêntica aos seus colegas de turma e de caserna.


A esses tantos heróis de nossa história, a letra de "Mestre Salas dos Mares", de Renato Vargas, em homenagem ao marinheiro negro João Cândido, “almirante negro”, “dragão dos mares” mostra os seus monumentos:


“Mas salve
Salve o navegante negro que tem por monumento as pedras pisadas do cais
Mas faz muito tempo”


Maiores dados sobre a revolução de 32:
A revolução em fotos

http://www.novomilenio.inf.br/festas/1932sp00.htm
Excelente trabalho histórico, documentado com fotos da época.

A Legião Negra : Os Negros na Revolução Constitucionalista de 1932
http://www.geledes.org.br/afrobrasileiros-e-suas-lutas/a-legiao-negra-os-negros-na-revolucao-constitucionalista-de-1932.html
de Mauricio Pestana leitura fácil, o desenho ágil em quadrinhos

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