"DOIS IRMÃOS DEU EXEMPLO AO BRASIL"
Conheça a inspiradora história de Tânia Terezinha da Silva, a primeira prefeita negra de uma cidade gaúcha colonizada por alemães; "no Brasil, o racismo existe, mas é velado", afirma
13 DE FEVEREIRO DE 2013 ÀS 09:25
Samir Oliveira, do Sul 21
Tânia Terezinha da Silva desembarcou na cidade de Dois Irmãos pela primeira vez no início da década de 1990. Nascida e criada na Vila Rosa, em Novo Hamburgo, ela resolveu tentar a sorte em um concurso público para técnico em enfermagem – profissão que aprendeu durante o Ensino Médio, na escola Santa Catarina. "Eu não sabia que, a partir daquele momento, minha vida iria mudar", conta.
Ela conseguiu, na época, ficar em primeiro lugar no concurso. Durante os dois primeiros anos, dividia seus dias no percurso entre Dois Irmãos e Novo Hamburgo, onde o marido e os filhos moravam. "Mas aí comecei a me apaixonar pela cidade, que é simples e tranquila. Os pátios das casas não tinham grades, eram abertos. Pensei: é nesse lugar que quero criar meus filhos", recorda.
Quando decidiu se mudar para a cidade de 27 mil habitantes e forte colonização germânica, Tânia sequer possuía filiação partidária e jamais poderia imaginar que um dia fosse ser eleita a primeira prefeita mulher e negra do município.
No início, logo que chegou na cidade, começou a trabalhar em uma unidade móvel de saúde. "Percorríamos todos os bairros e escolas, então pude conviver com muita gente. Íamos inclusive para localidades onde as famílias falam quase que exclusivamente alemão", comenta.
Em 1995, veio o convite para que se filiasse ao PMDB e, em 1996, Tânia conseguiu se eleger a quarta vereadora mais votada da cidade. Cargo que ela considera "ingrato", já que o parlamentar não pode formular leis que impactem no orçamento municipal.
Em 2000, ao não conseguir a reeleição, ela assumiu a coordenação do posto 24 horas que, na sua definição, é uma espécie de HPS de Dois Irmãos. "Todas as urgências do município se concentram lá".
Foi no posto que Tânia continuou colocando em prática a premissa que adota e que a levou a optar pela área da saúde. "Sempre trabalhei no atendimento à pessoa como um todo. Quando vamos vacinar uma criança, não podemos olhar somente a carteirinha e o braço. É preciso olhar o entorno. Como está essa criança e sua família?", explica.
Ela estava gostando tanto do trabalho que se recusou a participar das eleições de 2004, apesar dos apelos do partido para que concorresse. Em 2008, tentou manter a mesma postura, mas acabou sendo persuadida, já que o PMDB precisava cumprir a cota de 30% de mulheres na nominata para a Câmara Municipal.
Quando abriram as urnas, a surpresa: 2.055 votos, marca ainda imbatível na cidade. Em 2012, o vereador mais votado obteve 1.471 votos. Neste mandato, ela conseguiu a unanimidade dos colegas para ser a presidente da Câmara.
A campanha à prefeitura
Após o desempenho eleitoral de 2008, o nome de Tânia Terezinha da Silva apareceu em primeiro lugar em todas as pesquisas realizadas pelos partidos de sua coalizão (PMDB-PP-PTB) para a disputa pela prefeitura de Dois Irmãos. Foi assim que ela acabou sendo escolhida candidata, numa chapa ao lado do atual vice-prefeito Jerri Adriani Meneghetti (PP), a quem ela chama de "menino".
"Os partidos tiveram muita coragem ao acreditar no meu nome e no do Jerri. Ele é um jovem de 33 anos. Eu o chamo de menino. Não que eu seja muito velha", brinca a prefeita, que aparenta ter menos que os 49 anos de vida que possui.
Tânia garante que campanha foi feita de porta em porta, sem grandes aparatos. "Nos grandes municípios, existe muito marketing político. Nas cidades pequenas, a campanha é no corpo a corpo. As pessoas querem a visita do candidato", observa.
A agenda iniciava às 7h da manhã, na porta das fábricas. Às 8h30, Tânia iniciava a visita nas casas da população. O horário não foi escolhido por acaso. "É nesse horário que acaba o programa da Ana Maria Braga. As pessoas gostam de assistir, não dá pra incomodar", entende. O mesmo ritual era repetido à tarde, quando as visitas começavam somente depois das 14h, pois a candidata procurava respeitar "a dormidinha que as pessoas dão depois do almoço".
A prefeita diz que não abre mão do contato direto com a população. "A pessoa te olha no olho e precisa desabafar sobre os problemas. Esse encontro com o eleitor é mágico", classifica. Ela entende que os políticos deveriam se fazer mais presentes junto à população. "Muitas vezes nós, políticos, deixamos de ir aos lugares por medo de sermos cobrados pela população. Temos o dever de ir, mesmo sendo cobrados. A pessoa pode até reclamar que não estou conseguindo resolver algum problema da cidade, mas não vou deixar de estar presente, não serei omissa. Precisamos enfrentar as situações de cabeça erguida", aconselha.
O resultado desse trabalho na campanha veio no dia 7 de outubro de 2012, quando a maioria dos 19.285 eleitores que compareceram às urnas escolheram Tânia. Foi uma vitória apertada: 9.450 votos para ela e 8.840 votos para o ex-prefeito Gerson Schwngber (PT).
"Racismo no Brasil é velado"
Tânia Terezinha da Silva despista ao ser questionada sobre o racismo em cidades pequenas do Rio Grande do Sul. "Não posso dizer que existe nem que não existe preconceito e racismo em cidades menores", tangencia. Mas reconhece que "no Brasil, o racismo existe, mas é velado".
"A cidade não enxergou minha cor de pele, não votou em mim por ser negra, branca ou amarela" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Ela observa que, em uma cidade pequena, qualquer forasteiro é alvo de conversa nas rodas de chimarrão. "Mesmo se chegar uma pessoa loira de olhos verdes em uma cidade pequena, as pessoas se cutucam e comentam de onde ela vem e o que ela faz". A tática dela ao chegar em Dois Irmãos – numa época em sequer pensava que ingressaria na política institucional – foi esperar. "É preciso conhecer o ambiente e deixar o ambiente te conhecer. Não posso dizer que sofri preconceito devido à minha cor em Dois Irmãos", confessa.
Tânia considera que a cidade mandou uma mensagem com sua eleição. "Dois Irmãos deu um exemplo ao Rio Grande do Sul, ao Brasil e a todos nós, negros. A cidade não enxergou minha cor de pele, não votou em mim por ser negra, branca ou amarela. Votou por acreditar que podíamos fazer o melhor pela comunidade", entende.
O único ressentimento da prefeita é justamente a repercussão que sua vitória está tendo. "A eleição teve um impacto e uma mídia muito grandes, eu não esperava. Isso serve para uma reflexão: eu não gostaria que minha vitória tivesse repercussão. Eu gostaria que fosse a coisa mais normal do mundo. Não gostaria de aparecer na imprensa por ser a primeira mulher e primeira negra prefeita de Dois Irmãos", desabafa.
Tânia é uma apreciadora das metáforas. Gosta de dizer que a vida é como um rio e deve seguir um curso natural. Angustiada por não poder resolver todos os problemas da cidade de uma só vez, ela está aprendendo, em pouco mais de um mês como prefeita, que a burocracia e a administração eficiente impõem tempo aos gestores públicos.
"Muitas vezes as pessoas param na minha frente para pedir emprego ou atendimento em hospital. Temos que ter em mente o princípio da impessoalidade. O coletivo é maior do que uma pessoa pedindo melhorias. Sou cobrada já no primeiro mês, dizem que nada mudou. E sei que vou continuar sendo cobrada. Mas um edifício não se constrói de cima para baixo", diz, utilizando mais uma metáfora.
Enquanto realiza um diagnóstico sobre os problemas e soluções para Dois Irmãos, a prefeita tem muitos projetos em mente e, pelo menos, uma certeza: fará o possível para que sua mãe, que tem 84 anos, não tenha motivos para se preocupar com sua vida política.
"Na minha posse, ela ficou feliz e, ao mesmo tempo, com pena. Olhar de mãe é olhar de mãe. Sabe aquela música: 'Olha aí, é o meu guri, olha aí...'? Ela me olhava como quem pensa: 'Que bom que minha filha chegou até lá, mas coitada! Ela vai ser massacrada, vão judiar dela'.
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