Um genocídio acidentalmente descoberto e vergonhosamente recordado.
Vídeo sobre a descoberta do sítio arqueológico onde eram enterrados africanos que não resistiam a viagem entre a África e Brasil.
Em 1996, as obras de reforma em uma casa a cerca de 500 metros do local onde foi encontrado o Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, foram a chave para a descoberta do espaço conhecido como Cemitério dos Pretos Novos. Nele, os negros que não resistiam ao deslocamento entre a África e o Brasil, no período colonial, eram enterrados em covas coletivas. Ainda é impossível determinar o número de pessoas enterradas no local.
Os ossos estão sendo analisados pela Universidade de Brasília (UnB) que identificará de que estes africanos se alimentavam, em que condições e onde viviam. No cemitério, também foram encontrados búzios, miçangas e anéis que serviam de amuletos de proteção. Para Tânia Andrade de Lima, arqueóloga responsável pelas escavações, as peças representam a última esperança daqueles negros que, além trazidos para uma terra estranha, eram violentados de todas as maneiras.
Segundo Tânia, diante desse cenário era preciso buscar formas de representar a resistência necessária para superar as agressões. As peças traduzem enorme diversidade de práticas mágico-religiosas além de crenças muito distintas. “Elas constituem a herança deles para seus descendentes e para a posteridade. Eles falam através desses objetos”, afirma a especialista.
Novas descobertas – Nas escavações do Cais do Valongo, os arqueólogos encontraram dois canhões, do início do século XVII, que podem ser os mais antigos do Brasil. Tânia e sua equipe esclarecem que a existência de uma bateria de canhões na orla, próxima ao Morro da Conceição, era desconhecida pela história. A descoberta surpreendeu aos historiadores militares que também buscam vestígios do comércio escravagista do século XIX na região.
Os canhões estão sob responsabilidade do Museu Nacional para estudos. Outros objetos do século XIX passarão por limpeza e processamento na instituição. Toda a equipe envolvida já reuniu material suficiente para remontar parte da história dos negros escravizados trazidos da África que eram vendidos no Cais do Valongo, por onde passaram mais de um milhão de escravos.
Etnias - No início do século XIX, mais de 70% dos escravos na cidade do Rio de Janeiro eram de origem africana.O comércio de escravos trouxe para o Brasil várias etnias distintas. A maioria era proveniente de vastas regiões da África Ocidental, Central e Oriental e predominavam os de origem Bantu, que falavm diversos idiomas como umbundo, o quimbundo, o kicongo, o nagô e o macua. Até 1700, os portos de Guiné e Congo eram os maiores exportadores de negros, enquanto que, durante o século XVIII, as embarcações saíam com mais frequência de Angola. A cidade de Luanda foi a maior exportadora de escravos para o Brasil. No Rio de Janeiro predominavam as principais etnias: Mina, Cabinda, Congo, Angola ( ou Luanda), Kassange, Benguela e Moçambique. Gabão, Anjico, Moange, Rebola, Kajenge, Cabundá, Quilimane, inhambane, Mucene e Mombaça eram menos numerosas.
Muitos desses grupos possuíam formas de identificação particulares. Alguns apresentavam cicatrizes faciais, enquanto outros costumavam limar e/ou entalhar os dentes.Num primeiro momento, os portugueses que colonizavam o Brasil, traziam as populações africanas para o país e submetiam-nas a um trabalho forçado e escravo nas minas de ouro. Desde sua captura até o desembarque no Brasil, os escravos experimentavam, no mínimo, um ano de cativeiro. Durante o transporte na travessia do Atlântico, a taxa de mortalidade era bastante alta chegando às vezes a quase 20% do total capturado no continente. Daí, a enorme necessidade de identificar os negros com marcas feitas a ferro quente para indicar seus proprietários. Recebiam na pele também o sinal da cruz como prova de terem sido de terem sido batizados no ritual católico. Muitos eram marcados após desembarcarem nos portos de destino eram remarcados.
Cronologia – O Cais do Valongo de 1811 foi encontrado há um ano quando funcionários da prefeitura carioca trabalhavam na revitalização da Zona Portuária para a Copa de 2014. Durante as escavações, foi encontrado além dele o Cais da Imperatriz, construído para receber Teresa Cristina, que se casaria com Dom Pedro II. Os tesouros arqueológicos estavam escondidos sob a Avenida Barão de Tefé há pelo menos um século.
O Cais da Imperatriz teria sido construído sobre o Cais do Valongo logo após a primeira lei contra o tráfico negreiro em 1831, com o objetivo de apagar a realidade de mercado escravagista do local considerado o maior porto de chegada de escravos do mundo. “Houve então o embelezamento do Cais para pôr fim aquela etapa da história”, explica Tânia. “O que passou a ser visto como uma vergonha foi desativado para que a princesa pudesse desembarcar em uma terra onde não existia o comércio de gente”, conclui.
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